INTRODUÇÃO
Falhas associadas ao processamento de endoscópios gastrointestinais têm sido apontadas como principais causas de surtos e transmissão de microrganismos, após uso desses equipamentos, em todo mundo(1). No processamento desses equipamentos, recomendações de sociedades e associações nacionais e internacionais devem ser seguidas, destacando-se a não reutilização do detergente enzimático (DE), empregados na limpeza desses dispositivos, sob pena da perda da eficiência da ação desse produto(2). Contudo, sabe-se que na prática clínica tal solução é reutilizada por diversas vezes para imersão de diferentes endoscópios, sobretudo em países em desenvolvimento e com escassos recursos financeiros, o que pode comprometer a eficácia do processamento desses dispositivos, uma vez que DE não possui propriedade bactericida(3).
OBJETIVOS
Avaliar o impacto da contaminação microbiana da solução de detergente enzimático, quando reutilizada, na efetividade da limpeza de endoscópios gastrointestinais.
MÉTODO
Estudo transversal realizado a partir da análise microbiológica dos canais de ar/água e biópsia de equipamentos endoscópicos, antes e após imersão na solução de DE. Desta solução, foram coletadas três alíquotas (antes e após a primeira utilização e a terceira reutilização) diretamente do recipiente onde estavam armazenadas, cujo volume total era 20 litros. As alíquotas coletadas a partir dos canais de ar/água e de biópsia dos aparelhos e da solução de limpeza foram homogeneizadas e submetidas a filtração em membrana Millipore® de 0,45μm e, sobrepostas em meio de cultura Ágar Tríptico de Soja. Procedeu-se a análise quantitativa dos microrganismos e sua identificação presuntiva dos microrganismos foi realizada por métodos bioquímico-fisiológico.
RESULTADOS
A carga microbiana recuperada da solução do detergente enzimático foi crescente proporcionalmente ao seu número de reuso, 153 UFC/mL (3,06 x106 UFC/mL no volume total da solução) e após o terceiro uso 315 UFC/mL (6,3x106UFC/mL) respectivamente. Após imersão do aparelho endoscópico no primeiro uso do DE houve elevação da carga microbiana no canal de biópsia em 33,8% quando comparada à encontrada antes da imersão. Os canais de ar/água e biópsia do aparelho imerso no terceiro reuso do detergente apresentaram aumento da contaminação microbiana em 17,5% e 10,5%, respectivamente. No canal de ar/água imerso no primeiro uso do detergente enzimático, não foi isolada antes da imersão Pseudomonas ssp. Entretanto, tal microrganismo foi recuperado em todos os canais dos aparelhos endoscópicos analisados após a imersão em DE e em todas as alíquotas do detergente, exceto naquela coletada antes do uso do produto, onde não houve crescimento bacteriano.
CONCLUSÃO
Este estudo aponta o risco do reuso do detergente enzimático, uma vez que existe a possibilidade do aumento da carga microbiana no equipamento e da contaminação dos aparelhos endoscópicos com microrganismos que não haviam sido recuperados antes da imersão no detergente. A reutilização do detergente enzimático é uma realidade nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, onde os serviços são, geralmente, limitados ao processamento manual e a adesão aos protocolos estabelecidos podem ser insuficientes. Os achados desse estudo trazem evidências do risco atribuído ao reuso de soluções de limpeza como potenciais focos de surtos relacionados a procedimentos endoscópicos, reforçando que, quando uma ou mais etapas do processo de limpeza não é efetiva, todo o processamento poderá estar em risco, comprometendo a segurança do paciente.